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QUALIDADE DA ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO: O DIREITO À INFORMAÇÃO

Atualizado: 19 de ago. de 2023

Denise Maria Elisabeth Formaggia(*)


O Código de Defesa do Consumidor, aprovada pela lei federal 8.078 de 11/11/1990, é reconhecida como uma das legislações mais modernas voltadas a defender os interesses dos consumidores de bens e serviços neste país.


Em seu CAPÍTULO IV DA QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, DA PREVENÇÃO E DA REPARAÇÃO DOS DANOS - Seção I: Da Proteção à Saúde e Segurança o artigo 8º estabelece:


Art. 8º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.


Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.”


Sendo a água para consumo humano, o produto final do processo de captação de água de mananciais superficiais ou subterrâneas, submetidos a tratamento, reservação e distribuição aos consumidores, seja por rede de distribuição coletiva, seja por meio de veículos apropriados para este fim, quando a situação o exigir (ausência de rede de distribuição, situações de emergência, entre outras), achou necessário o governo federal, por meio dos Ministérios da Saúde, da Justiça, das Cidades e do Meio Ambiente, com o apoio da OPAS – Organização Panamericana de Saúde, elaborar uma legislação específica para colocar em prática o artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor.


Esta iniciativa deveu-se também ao que estabelecia a então legislação de Potabilidade de Água para Consumo humano – Portaria 518/2004, que garantia ao consumidor o direito à informação sobre a qualidade da água a ele fornecida, seja pelos responsáveis pela produção de água (público ou privado). Seja pelo setor saúde, responsável pelas ações de vigilância da qualidade da água para consumo humano.


Além disso, entidades de defesa do consumidor, entre eles o IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor, passaram a solicitar aos Serviços de Saneamento, com base na Portaria 518/2004, informações sobre a qualidade da água distribuída à população, sem serem atendidos, por falta de normalização à respeito.


No primeiro semestre de 2004, o Ministério da Saúde por meio da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental da Secretaria de Vigilância em Saúde, com o apoio da OPAS, do Departamento de Proteção ao Consumidor do Ministério da Justiça, da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades e do Ministério do Meio Ambiente, reuniu-se com representantes da AESBE (associação das empresas estaduais de saneamento), com a ASSEMAE (Associação dos Serviços autônomos de água e esgotos), com representantes das Secretarias Estaduais de Saúde de vários estados e com o IDEC para discussão de uma proposta de legislação com base em texto produzido pela OPAS.


Após diversas reuniões, discussões e contribuições, o resultado do trabalho resultou na publicação do Decreto 5.440 de 4/5/2005, composto por 6 artigos.


Principais aspectos do decreto 5.440/2005


“Art. 3º Os órgãos e as entidades dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios e demais pessoas jurídicas, às quais este Decreto se aplica, deverão enviar as informações aos consumidores sobre a qualidade da água, nos seguintes prazos:


I - informações mensais na conta de água, em cumprimento às alíneas "a" e "b" do inciso I do art. 5º do Anexo, a partir do dia 5 de junho de 2005;


II - informações mensais na conta de água, em cumprimento às alíneas "c" e "d" do inciso I do art. 5º do Anexo, a partir do dia 15 de março de 2006; e


III - relatório anual até quinze de março de cada ano, ressalvado o primeiro relatório, que terá como data limite o dia 1º de outubro de 2005.


Art. 5º Fica aprovado, na forma do Anexo a este Decreto, o Regulamento Técnico sobre Mecanismos e Instrumentos para Divulgação de Informação ao Consumidor sobre a Qualidade da Água para Consumo Humano.”


Principais aspectos do Regulamento Técnico aprovado pelo decreto 5.440/2005


“Art. 2º Cabe aos responsáveis pelos sistemas e soluções alternativas coletivas de abastecimento de água cumprir o disposto neste Anexo.


Art. 3º A informação prestada ao consumidor sobre a qualidade e características físicas, químicas e microbiológicas da água para consumo humano deverá atender ao seguinte:


I - ser verdadeira e comprovável;


II - ser precisa, clara, correta, ostensiva e de fácil compreensão, especialmente quanto aos aspectos que impliquem situações de perda da potabilidade, de risco à saúde ou aproveitamento condicional da água; e


III - ter caráter educativo, promover o consumo sustentável da água e proporcionar o entendimento da relação entre a sua qualidade e a saúde da população.


Art. 5º Na prestação de serviços de fornecimento de água é assegurado ao consumidor, dentre outros direitos:


I - receber nas contas mensais, no mínimo, as seguintes informações sobre a qualidade da água para consumo humano:


a) divulgação dos locais, formas de acesso e contatos por meio dos quais as informações estarão disponíveis;


b) orientação sobre os cuidados necessários em situações de risco à saúde;


c) resumo mensal dos resultados das análises referentes aos parâmetros básicos de qualidade da água; e


d) características e problemas do manancial que causem riscos à saúde e alerta sobre os possíveis danos a que estão sujeitos os consumidores, especialmente crianças, idosos e pacientes de hemodiálise, orientando sobre as precauções e medidas corretivas necessárias;


II - receber do prestador de serviço de distribuição de água relatório anual contendo, pelo menos, as seguintes informações:


a) transcrição dos arts. 6º , inciso III, e 31 da Lei nº 8.078, de 1990, e referência às obrigações dos responsáveis pela operação do sistema de abastecimento de água, estabelecidas em norma do Ministério da Saúde e demais legislações aplicáveis;


b) razão social ou denominação da empresa ou entidade responsável pelo abastecimento de água, endereço e telefone;


c) nome do responsável legal pela empresa ou entidade;


d) indicação do setor de atendimento ao consumidor;


e) órgão responsável pela vigilância da qualidade da água para consumo humano, endereço e telefone;


f) locais de divulgação dos dados e informações complementares sobre qualidade da água;


g) identificação dos mananciais de abastecimento, descrição das suas condições, informações dos mecanismos e níveis de proteção existentes, qualidade dos mananciais, fontes de contaminação, órgão responsável pelo seu monitoramento e, quando couber, identificação da sua respectiva bacia hidrográfica;


h) descrição simplificada dos processos de tratamento e distribuição da água e dos sistemas isolados e integrados, indicando o município e a unidade de informação abastecida;


i) resumo dos resultados das análises da qualidade da água distribuída para cada unidade de informação, discriminados mês a mês, mencionando por parâmetro analisado o valor máximo permitido, o número de amostras realizadas, o número de amostras anômalas detectadas, o número de amostras em conformidade com o plano de amostragem estabelecido em norma do Ministério da Saúde e as medidas adotadas face às anomalias verificadas; e


j) particularidades próprias da água do manancial ou do sistema de abastecimento, como presença de algas com potencial tóxico, ocorrência de flúor natural no aqüífero subterrâneo, ocorrência sistemática de agrotóxicos no manancial, intermitência, dentre outras, e as ações corretivas e preventivas que estão sendo adotadas para a sua regularização.


Art. 17. Compete aos órgãos de saúde responsáveis pela vigilância da qualidade da água para consumo humano:


I - manter registros atualizados sobre as características da água distribuída, sistematizados de forma compreensível à população e disponibilizados para pronto acesso e consulta pública;


II - dispor de mecanismos para receber reclamações referentes às características da água, para adoção das providências adequadas;


III - orientar a população sobre os procedimentos em caso de situações de risco à saúde; e


IV - articular com os Conselhos Nacionais, Estaduais, do Distrito Federal, dos Territórios e Municipais de Saúde, Saneamento e Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Comitês de Bacias Hidrográficas e demais entidades representativas da sociedade civil atuantes nestes setores, objetivando apoio na implementação deste Anexo.


§ 1º Os órgãos de saúde deverão assegurar à população o disposto no art. 14 deste Anexo, exigindo maior efetividade, quando necessário, e informar ao consumidor sobre a solução do problema identificado, se houver, no prazo máximo de trinta dias, após o registro da reclamação.


§ 2º No caso de situações de risco à saúde de que trata o inciso III e o § 1º deste artigo, os órgãos de saúde deverão manter entendimentos com o responsável pelo sistema de abastecimento ou por solução alternativa coletiva quanto às orientações que deverão ser prestadas à população por ambas as partes.”


Avanços e desafios para aplicação do decreto 5.440/2005


Logo após a promulgação do Decreto, empresas de saneamento em todo o país procuraram cumprir o que determina o Decreto 5.440/2005. Dificuldade maior sentiram os estabelecimento que, não sendo atendidos por sistemas públicos de abastecimento de água, não conseguiam informar adequadamente os consumidores da água por eles fornecida.


O Sistema único de Saúde, por sua vez desenvolvei um sistema de Informação sobre qualidade de água para consumo humano – SISAGUA, que encontra-se em processo contínuo de aprimoramento, mas que não é aberto ao público em geral, atendendo às necessidades dos gestores no exercício das ações de vigilância da qualidade da água para consumo humano, nos níveis municipal, estadual e federal.


Passados quase 18 anos da aprovação do decreto, ainda verificam-se enormes dificuldades em sua implantação, seja por parte de quem detém a responsabilidade pelos serviços de fornecimento de água para consumo humano, pelos órgãos de saúde, seja por quem cabe fiscalizar sua aplicação.


Vejamos as principais dificuldades em sua aplicação:

  • espaço exíguo disponível na conta mensal de água para registrar as análises e .amostras mínimas previstas na legislação, as análises realizadas, os resultados e os parâmetros estabelecidos na legislação. Isto sem mencionar o significado sanitário dos parâmetros analisados, sem o qual não faz sentido sua divulgação;


  • nem sempre é possível discriminar na conta a origem da água , isto é, o sistema produtor a que se refere as análises registradas na conta e esta informação é importante para o consumidor. O relatório anual que deveria ser enviado ao consumidor raramente é encaminhado e dados nele contidos como: de onde vem a água que se consome, o nome do sistema abastecedor o tipo de manancial, processo de tratamento, laboratório de controle de qualidade, as análises que são realizados e com que frequência, responsáveis pelo tratamento e pelo sistema, entre outros, ajudariam o consumidor a entender melhor os dados da conta mensal de água, além de conhecer melhor de onde vem a água que consome e outros aspectos importantes relativos ao abastecimento de água;


  • Com o desenvolvimento da tecnologia digital, questiona-se se não seria viável desenvolver aplicativos onde o consumidor poderia via celular ou outro mecanismo de mídia eletrônica pudesse ter acesso às informações garantidas pela legislação em vigor. Isto já ocorre em diversos países;


  • A legislação atualmente em vigor que altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade – Portaria 888 de 4/5/2021, estabelece que “água potável: água que atenda ao padrão de potabilidade estabelecido neste Anexo e que não ofereça riscos à saúde”. Ocorre que são inúmeros os parâmetros previstos na legislação, cuja amostragem e periodicidade de análise depende do parâmetro a ser analisado (14 elementos inorgânicos, 16 substâncias orgânicas, 40 agrotóxicos e metabólitos e 10 subprodutos do processo de desinfecção por cloro, além de prever padrão organoléptico de potabilidade para 14 parâmetros). Um dos maiores desafios atuais é classificar a água como potável ou não potável. A pergunta que os especialistas se fazem é: basta um parâmetro não atende o padrão e a água deixa de ser potável? Poderíamos aceitar um certo grau de anomalias? Para quais parâmetros e com que frequência? Quais os riscos para a saúde pública? Recentemente dados do SISAGUA foram utilizados para condenar as águas de abastecimento fornecidas por diversos municípios do Brasil. Em que medida estas informações podem auxiliar os responsáveis pelo fornecimento a avaliar riscos e estabelecer medidas de controle; dar subsídios para a população se proteger sem gerar pânico ou a buscar de águas menos confiáveis?


Ainda temos muito que evoluir no quesito INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR sobre a água a ele fornecida. O que não podemos é fazer de conta que uma legislação não existe e não cumpri-la. Sabe aquela da lei que pega e que não pega? Devemos verificar quais os gargalos em sua aplicação, aprimorando-a, buscar soluções práticas e viáveis para garantir o seu objetivo maior que é dar ciência ao consumidor sobre a qualidade da água que consome.


(*) Formada em engenharia civil pela Universidade Mackenzie, especialista em engenharia de Saúde Pública pela USP, participou do grupo de trabalho para elaboração do Decreto 5.440/2005 como colaboradora do governo federal.





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