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Priorização dos investimentos em saneamento para geração de empregos e renda em tempos pós-pandêmico

Atualizado: 22 de jun. de 2021





Américo de Oliveira Sampaio - Engenheiro Civil e Sanitarista. Mestre em hidráulica e saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos -USP. Trabalhou, mais de 30 anos, na Companhia de Saneamento de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, onde atuou como gerente de Departamento de ETEs da RMSP e Superintendente de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Invocação. Atuou, também, na Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, onde foi coordenador de saneamento



É inegável que a atual pandemia tem acarretado enorme impacto na economia mundial e nacional. Estima-se que, no Brasil, decorridos pouco mais de um ano desde seu início, a renda familiar e empregos foram reduzidos em cerca de 48% e 33%, respectivamente.


Ressalta-se que o conjunto de medidas proposto é de caráter emergencial e visa, prioritariamente, minimizar os impactos sociais ocasionados pela pandemia durante o período de maior incidência de morbimortalidade da enfermidade.


Mesmo reconhecendo ser fundamental e indispensável a adoção de medidas emergenciais para combater os efeitos sociais e econômicos decorrentes da atual pandemia, é absolutamente necessário que estas sejas acompanhadas de medidas estruturais que possam contribuir para a redução do risco e aumento da resiliência a eventos similares que possam ocorrer no futuro.


O investimento intensivo em saneamento básico, setor mais atrasado de infraestrutura pública do Brasil, pode contribuir, substancialmente, para esse fim. Além dos importantes e já bem conhecidos benefícios sociais, ambientais e à saúde pública que a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário poderá propiciar, os investimentos nesse setor possibilitam grande geração de renda e empregos diretos e indiretos.


O saneamento básico, particularmente sua parcela relacionada aos sistemas públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, é, sem dúvida, o mais atrasado dentre os setores de infraestrutura pública do Brasil.

Segundo o mais recente relatório divulgado pelo Sistema Nacional de Informações de Saneamento Básico – SNISS/2018 (1), cerca de 35 milhões de brasileiros não são servidos por sistemas públicos de distribuição de água potável e cerca de 46,8% da população (100 milhões de habitantes) não contam com rede coletora de esgoto. Do volume total de esgotos sanitários produzido, apenas uma parcela insignificante, menos do que 48%, é tratada e, quase sempre, em nível bastante inferior ao necessário para manutenção da qualidade requerida pelas classes de enquadramento dos corpos de água.


Importante ressaltar, que os dados constantes dos sistemas de informação de água e esgotamento sanitário do SNISS são auto declaratórios. Sua apuração e encaminhamento é de responsabilidade exclusiva dos prestadores de serviços. Por não serem submetidas à uma análise criteriosa de consistência, as informações e indicadores desse banco de dados devem ser considerados com a devida cautela. As inconsistências verificadas podem ser creditadas a erros de preenchimentos dos formulários oficiais, ineficiência/incapacidade de apuração dos dados pelas equipes locais, ou mesmo à manipulação deliberada e intencional dos prestadores de serviços. A inconsistência dos bancos de dados oficiais de saneamento no Brasil foi objeto de outro ensaio, de minha autoria, recentemente publicado nesse BLOG (Informações oficiais de saneamento básico no Brasil – um banco ou um “bando” de dados?)



Os valores atuais dos indicadores de cobertura da infraestrutura e de eficiência operacional dos serviços de saneamento no Brasil são muito piores que os dos países desenvolvidos, tendo em vista esses últimos disporem de mais condições econômicas e financeiras para realização de investimentos de infraestrutura e custeio dos serviços de saneamento básico. Mas como explicar o fato deles serem também inferiores aos de países com situação econômica similares ou mesmo inferiores a nossa?


No estudo realizado, em 2016, pela Comissão Econômica para América Latina – CEPAL (2), em que se avaliaram as condições de saneamento básico de 17 países latino-americanos, o Brasil ocupou a vergonhosa 11ª colocação, ficando atrás de países como Bolívia, Peru, Uruguai, Equador, Venezuela, Chile, México, Argentina, Colômbia e Costa Rica.


Os desequilíbrios regionais de atendimento com serviços de saneamento , com estados e regiões em situação mais confortável, não pode servir como justificativa para indicadores de cobertura tão alarmantes do país; ao contrário, expõe mais uma vez a calamidade dos desequilíbrios sociais com os quais convivemos.


O setor de saneamento é reconhecido como um grande gerador de empregos. Alguns estudos foram desenvolvidos no Brasil visando estimar o impacto dos investimentos e operação de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, cujos resultados variam consideravelmente de acordo com a metodologia empregada para sua quantificação.


O mais recente relatório do SNISS, publicado em 2020, apresenta, em seu Capítulo IV, dados referentes ao ano base de 2018 (3). O indicador IN018 do referido relatório representa o número de empregos de trabalhadores envolvidos diretamente com a prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O cálculo desse indicador é obtido a partir da média dos empregados próprios das empresas prestadoras do ano de referência e do ano anterior, somada à estimativa de empregados terceirizados.


Em 2018, a quantidade total de trabalhadores envolvidos com a prestação dos serviços foi de 217.900. Desse total, 152.300 correspondem a postos de trabalho próprios dos prestadores de serviço e 66.600 aos trabalhadores envolvidos em atividades terceirizadas.


Além dos empregos envolvidos diretamente nos serviços operacionais e de manutenção dos sistemas, o setor gera também empregos nas indústrias de materiais e equipamentos, execução de obras e em outros serviços de engenharia (projeto e consultoria). Para estimar os empregos gerados pelos investimentos, adota-se como referência o Modelo de Geração de Emprego e Renda, desenvolvido pelo Banco de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Esse modelo propõe utilização da taxa de 530 empregos para cada R$ 10 milhões de aumento na produção de construção civil. Aplicando essa metodologia de cálculo, e considerando que, no ano de 2018, foram investidos no Brasil R$ 13,2 bilhões em saneamento, estima-se uma geração de, aproximadamente, 697,5 mil empregos diretos, indiretos e de efeito de renda nesse período.


Somando o número de trabalhadores envolvidos direta e indiretamente na prestação de serviços operacionais e os criados pelos investimentos realizados, é possível estimar que, no ano de 2018, o número total de empregos no setor de abastecimento de água e esgotamento sanitário foi de 915,5 mil empregos.


Outro estudo, que trata sobre a geração de empregos no setor de abastecimento de água e esgotamento sanitário, foi elaborado pela empresa de consultoria econômica EXANTE para o Instituto Trata Brasil e Associação de Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Saneamento -ABCON (4).


Esse estudo utilizou a metodologia do Modelo Leontief de produção para estimativas dos impactos dos investimentos em obras e na operação de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário durante o período 2004- 2016. Informações mais detalhadas sobre a metodologia empregada podem ser encontradas no anexo 1 do referido estudo.


No período estudado, o investimento em saneamento no Brasil passou de R$ 3,103 bilhões para R$ 11,488 bilhões. Quando se corrige o efeito da inflação nesse período, chega-se a um investimento médio anual de 11,226 bilhões.


Estima-se que, na média do período, essas obras sustentaram quase 69 mil empregos diretos por ano na construção civil.


Além do dispêndio com a mão de obra, as construtoras contratadas para realizar as obras desembolsaram R$ 6,194 bilhões na aquisição de materiais de construção e serviços. Isso correspondeu a 55% do total do investimento realizado na média do período e representa a geração de cerca de 33.327 empregos indiretos.


O emprego e a renda induzidos pelos investimentos em saneamento, sejam pelo pagamento de salários das construtoras, sejam pelos empregos sustentados ao longo da cadeia da construção alcançaram, estimativamente, 39,6 mil pessoas.

Ao total, os investimentos em saneamento sustentaram 142 mil empregos por ano no país e geraram R$ 13,692 bilhões por ano de renda na economia brasileira entre 2004 e 2016 (69 mil diretos, 33,3 mil indiretos e 39,6 mil induzidos).


A diferença substancial no número de empregos gerados nos investimentos realizados em empreendimentos de água e esgoto no Brasil estimados nesses dois estudos recentes (697,5 mil, no relatório SNISS/2018 e 142 mil, no estudo do Trata Brasil/ABCON), deve-se a questões de ordem metodológicas e, principalmente, conceituais. O estudo do Trata Brasil/ABCON considera apenas os empregos efetivamente gerados e o relatório do SNISS o número de pessoas beneficiadas por ele.


Não há diferença metodológica nos dois estudos referentes à mensuração dos empregos relacionados à operação dos sistemas de água e esgoto. Ambas referências utilizam as informações produzidas e enviadas pelas empresas prestadoras de serviço para o Sistema Nacional de Informações de Saneamento - SNISS.


A pandemia mundial que estamos vivendo, com reflexos graves à saúde e à economia, demonstra a necessidade premente de adotarmos medidas estruturais que possam contribuir para a redução efetiva dos riscos e aumento da resiliência a eventos similares a esse que possam ocorrer no futuro.


A infraestrutura atual do setor saneamento básico no país, particularmente às relacionadas aos sistemas de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, é bastante precária e absolutamente incompatível com o nosso estágio atual de desenvolvimento. É inadmissível que um país, que hoje é a nona maior economia do mundo, apresente indicadores de cobertura e de eficiência dos serviços tão vergonhosos como o nosso. Segundo os dados oficiais, existem 35 milhões de habitantes sem acesso à rede pública de água potável e cerca de 100 milhões (quase metade da população) não contam sequer com um simples sistema que promova o afastamento do esgoto gerado em suas residências. Isso sem falar no irrisório nível de tratamento de esgoto (menos da metade do volume produzido) e no alarmante índice de perdas de água nos sistemas de distribuição (superior a 48%), que acabam inviabilizando ou reduzindo consideravelmente a disponibilidade de água destinada a importantes usos e à preservação da vida aquática. Vale lembrar, a severa crise hídrica recentemente vivenciada em várias e importantes regiões metropolitanas do país.


Importante, ainda, destacar que a precariedade da infraestrutura de saneamento é muito mais significativa e perversa na chamada “cidade informal”, onde se concentra a parcela da população mais pobre e, portanto, mais vulnerável às enfermidades e perda das suas já precárias fontes de renda.


O Plano Nacional de Saneamento Básico- PROSAB, a despeito do processo participativo e dos importantes e nobres princípios que orientaram sua elaboração, não está sendo devidamente cumprido. O montante de investimento realizado é quase a metade do que foi previsto em seu cronograma original. Os governos federal, estaduais e municipais optaram por destinar seus orçamentos para outros setores, muitas vezes de muito menor impacto social, econômico e ambiental.


Estudos recentes revelam que a operação e o investimento efetuado na infraestrutura de saneamento, além dos inúmeros e importantes benefícios à preservação ambiental e saúde, podem também contribuir de forma relevante para a criação de novos postos de trabalho e geração de renda.


Grandes crises, como a epidemia atual, propiciam uma melhor reflexão sobre a realidade que vivemos e a possibilidade de repensarmos o modelo de desenvolvimento até hoje adotado.


Não seria, talvez, o caso de elegermos o setor de saneamento como prioritário para aplicação dos recursos orçamentários disponíveis?


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