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PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA: CONCEITO, APLICAÇÃO E DESAFIOS



Denise Maria Elisabeth Formaggia1983 - Engenheira Civil pela Universidade Mackenzie, com especialização em engenharia de Saúde Pública pela USP e engenharia sanitária industrial pela FAAP. Trabalhou na Secretaria de Estado da Saúde/SP de 1983 a 2011. Foi consultora do Ministério da Saúde e OPAS para assuntos referentes à qualidade da Água para consumo humano. Atualmente é membro benemérito do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte de SP.



Roseane Maria Garcia Lopes de Souza - Engenheira Sanitarista pela Universidade Federal do Pará, pós graduação em engenharia Ambiental pela USP, pós graduação em Perícia e Auditoria pelo IPEN. Atuou na Secretaria de Estado da Saúde/SP de 1987 a 2017. Foi colaboradora do Ministério da Saúde e OPAS para assuntos referentes à qualidade da Água para consumo humano. Atualmente é consultora na área de Plano de Segurança da Água e Saúde Ambiental.



Estamos vivendo novamente o que convencionou-se denominar “Crise Hídrica” em algumas regiões do Brasil, devido à seca que se abate sobre parte importante de nosso país. As consequências desta seca, considerada a pior dos últimos noventa anos, se refletem não só no risco de desabastecimento de água potável nas áreas urbanas, mas também na produção de alimentos e na geração de energia elétrica, posto que nossa matriz energética baseia-se primordialmente nas hidrelétricas.

Cada vez mais a gestão dos recursos hídricos devem ganhar importância para o enfrentamento da crise atual, mas também para desenvolver ações de planejamento com vistas a evitar ou diminuir os efeitos nocivos das secas extremas que virão no futuro.

Plano de Segurança Hídrica, Plano de Bacias hidrográficas, Plano Municipal de Saneamento Básico e Plano de Segurança da Água vem ganhando espaço nas narrativas dos responsáveis pelas políticas públicas de gestão das águas e saneamento básico e ambiental.

Dos planos anteriormente citados, o menos conhecido é o “Plano de Segurança da Água, também conhecido pela sigla PSA. O uso desta sigla tem gerado certa confusão pois também é utilizada para se referir a “Pagamento por Serviços Ambientais”, um instrumento econômico que, seguindo o princípio “protetor-recebedor”, recompensa e incentiva aqueles que provêm serviços ambientais, melhorando a rentabilidade das atividades de proteção e uso sustentável de recursos naturais.

O propósito deste ensaio é abordar o conceito, aplicação e desafios que a elaboração e utilização do Plano de Segurança da Água deverá enfrentar em um país com as dimensões e características regionais que o Brasil detém.


1 - Conceito

A metodologia para elaboração do Plano de Segurança da Água baseia-se na análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle, em inglês Hazard Analysis and Critical Points (HACCP) e consiste numa abordagem sistematizada e estruturada de identificação de perigos e da probabilidade da sua ocorrência em todas as etapas da produção, através da matriz de risco, a fim de determinar as medidas de controle.

A origem deste sistema está relacionada à NASA e à necessidade de fornecimento de alimentos seguros aos astronautas. O sistema foi desenvolvido pela empresa norte americana Pillsbury em 1960 e, a partir de 1971, começou a ser utilizado pela indústria alimentícia. PRINCÍPIOS DO SISTEMA APPCC O Codex Alimentarius e o NACMCF (National Advisory Committee on Microbiological Criteria for Foods) adotaram sete princípios para caracterizar a sequência lógica de elaboração de planos APPCC / HACCP.

Princípio 1 - Análise dos perigos e medidas preventivas: O perigo é definido como contaminação inaceitável de natureza biológica, química ou física que possa causar danos à saúde ou à integridade do consumidor.

Princípio 2 - Identificação dos pontos críticos de controle (PCCs): Ponto crítico de controle é uma etapa, matéria-prima ou ingrediente em que ocorre um perigo e podem ser aplicadas medidas preventivas para controle (eliminando, prevenindo ou reduzindo) o perigo.

Princípio 3 - Estabelecimento dos limites críticos: Limite crítico é um valor máximo e/ou mínimo de parâmetros biológicos, químicos ou físicos que assegure o controle do perigo estabelecido. Os limites críticos são estabelecidos para cada medida preventiva monitorada dos PCCs.

Princípio 4 - Estabelecimento dos procedimentos de monitorização: A monitorização é uma sequência planejada de observações ou mensurações para avaliar se um determinado PCC está sob controle e para produzir um registro fiel para uso futuro na verificação.

Princípio 5 - Estabelecimento de ações corretivas: Ações corretivas devem ser aplicadas quando ocorrem desvios dos limites críticos estabelecidos.

Princípio 6 - Estabelecimento dos procedimentos de verificação: A verificação consiste na utilização de procedimentos para evidenciar se a etapa monitorizada está sendo controlada adequadamente, ou ainda se o sistema APPCC / HACCP está funcionando corretamente.

Princípio 7 - Estabelecimento dos procedimentos de registros: Todo mecanismo utilizado para avaliar se um PCC e/ou perigo está sob controle, por observações ou medidas, deve ser registrado.

Esta metodologia foi posteriormente adotada pela indústria farmacêutica e mais recentemente pelos responsáveis pelos serviços de abastecimento de água para consumo humano, incentivados pela nova visão da Organização Mundial de Saúde centrada na avaliação e controle de riscos associados ao consumo de água pelas populações humanas.

Em Abril de 2003, a Organização Mundial de Saúde organizou uma conferência internacional em Berlim sobre “Estratégias de Gestão de Riscos em Água para Consumo Humano”, onde foram apresentados e discutidos os pressupostos teóricos e as especificidades de aplicação prática de ferramentas operacionais para a gestão de riscos em sistemas de abastecimento de água, desenvolvendo o conceito de Plano de Segurança da Água para Consumo Humano, conforme assumido nas Guidelines for Drinking Water Quality (2004).


O Plano de Segurança da Água é um documento que identifica e prioriza riscos potenciais que podem ser verificados em um sistema de abastecimento, incluindo todas as etapas desde o manancial até à torneira do consumidor, estabelecendo medidas de controle para os reduzir ou eliminar e estabelecer processos para verificar a eficiência da gestão dos sistemas de controle e a qualidade da água produzida. (Guidelines for Drinking-Water Quality - GDWQ da Organização Mundial da Saúde – OMS)


Seu objetivo é garantir a qualidade da água para consumo humano através da utilização de boas práticas no sistema de abastecimento de água, tais como: minimização da contaminação nas origens da água, remoção da contaminação durante o processo de tratamento e a prevenção de pós-contaminação durante o armazenamento e a distribuição da água na distribuição.


A OMS, através do primeiro volume da terceira edição das GDWQ (WHO, 2004), publicado em Setembro de 2004, recomenda que as entidades gestoras de sistemas de abastecimento público de água desenvolvam planos de segurança para garantir a qualidade da água, incorporando metodologias de avaliação e gestão de riscos, bem como práticas de boa operação dos sistemas. Privilegia-se, assim, uma abordagem de segurança preventiva em detrimento da metodologia clássica de monitorização de conformidade de “fim-de-linha”, através de uma efetiva gestão e operação de origens de água, estações de tratamento e sistemas de distribuição. Deve, entretanto, referir-se que a avaliação de riscos não é um objetivo em si próprio mas antes uma forma de estruturar o processo de decisão, constituindo o ponto de partida para o estabelecimento de procedimentos que enfatizam o papel fundamental que o consumo de água em segurança assume na proteção da saúde pública.



O Plano de Segurança da Água é composto basicamente por 5 etapas:

  1. Etapas Preliminares: constituição da equipe, descrição do sistema de abastecimento, construção e validação do diagrama de fluxo.;

  2. Avaliação do Sistema: identificação dos perigos, caracterização de risco, identificação e avaliação de medidas de controle;

  3. Monitoramento Operacional: definição de limites críticos, definição de procedimentos de monitoramento, definição de ações corretivas;

  4. Planos de Gestão: definição de procedimentos para a gestão de rotina, definição de procedimentos para a gestão em condições de excepcionalidade, definição de documentação e documentação e protocolos de comunicação;

  5. Validação e Verificação: avaliação do funcionamento do Plano de Segurança da Água.

2 – Aplicação


A incorporação do conceito de risco e a utilização de ferramentas atualmente disponíveis para gerenciar os sistemas de abastecimento de água, ainda não foi devidamente acolhida pelos responsáveis pelos serviços de saneamento em nosso país.

Antenado com o que estava ocorrendo no mundo desenvolvido no que se refere à avaliação e controle dos riscos envolvidos nas atividades de captação, tratamento e distribuição de água potável às populações humanas, o Ministério da Saúde já abordava a questão do risco à saúde na Portaria 2.914 de 12/12/2011 que dispõe sobre procedimentos de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.

Mais recentemente, o Ministério revogou a Portaria anteriormente citada e publicou a Portaria GM/MS nº 888 de 4/5/2021, na qual o Plano de Segurança da Água é considerada uma importante ferramenta de avaliação e controle de risco, estabelecendo que a autoridade de saúde pública poderá exigir dos responsáveis pelos sistemas de abastecimento de água e solução alternativa coletiva de abastecimento de água para consumo humano, a elaboração e implementação de Plano de Segurança da Água, conforme metodologia e o conteúdo preconizado pela Organização Mundial de Saúde, para fins de gestão preventiva de risco à saúde (artigo 49 da portaria).

A portaria GM/MS nº 888/2021 prevê também que, caso o responsável pelos sistemas de abastecimento de água e solução alternativa coletiva de abastecimento de água para consumo humano, decida alterar os parâmetros físico-químicos, microbiológicos e radioativos previstos pela portaria e sua frequência de amostragem, deverá solicita-lo formalmente à autoridade de saúde pública mediante apresentação de diversos documentos, além do Plano de Segurança da Água (artigo 50 da portaria).

Considerada uma ferramenta essencial para a adequada gestão dos serviços de abastecimento coletivo de água para consumo humano - seja público ou privado – a metodologia para elaboração do Plano de Segurança da Água, pode ser aplicada a outros setores, como a gestão de bacias hidrográficas.

Uma das fases de elaboração e gestão de risco para elaboração do Plano de Segurança da Água é a avaliação de risco do manancial utilizado para abastecimento de água potável. Faz parte da metodologia, a formação de uma equipe multidisciplinar envolvida com o tema. Neste aspecto, há de se ter em mente que, em se tratando de manancial de abastecimento, são vários os atores envolvidos na preservação e recuperação da qualidade de água, a saber: poder público municipal (responsável pelas diretrizes de uso e ocupação do solo), proprietários de terras onde ocorram atividades agropecuárias, responsáveis por empreendimentos que de alguma forma possam afetar a qualidade das águas dos mananciais como indústrias, atividades de mineração, turismo e lazer, por exemplo, além dos órgãos fiscalizadores do estado e união.

A elaboração do mapa de risco dos mananciais para fins de abastecimento de água para consumo humano, permitirá definir as medidas de controle para minimizar ou anular impactos ao sistema de abastecimento, permitindo ter uma maior clareza das responsabilidades de cada um dos diversos atores envolvidos no processo e neste aspecto a importância dos Comitês de Bacia Hidrográfica se reveste de importância fundamental, na medida em que já se constitui em um fórum de discussão e implementação de políticas públicas para gestão de água e o do qual participam representantes dos municípios que compõe a bacia hidrográfica e representantes do estado e sociedade civil.

A metodologia para elaboração do Plano de Segurança da Água pode ser adotada no que se refere à situação dos mananciais para auxiliar na definição das prioridades da bacia hidrográfica visando a recuperação e conservação da qualidade da água, para os diversos usos.

No estado de São Paulo a atuação do Comitê de Bacias Hidrográficas do PCJ foi um dos pioneiros, pois desde o ano de 2016 vem fomentando o Plano de Segurança da Água – PSA para os sistemas de abastecimento de água. Capacitações foram organizadas e a Câmara Técnica de Saúde Ambiental (CTSAM) do PCJ acompanharia 3 Municípios voluntários pertencentes à Bacia PCJ, para a construção do Plano de Segurança da Água como modelo para a Bacia.

Os três Municípios voluntários foram: Ipeúna representando município de pequeno porte, com população de 6.016 hab. e área de 190,010 km; Cordeirópolis representando município de médio porte, com população de 21.080 hab. e área de 137,579 km2 e Santa Bárbara D’oeste representando município de grande porte, com população de 180.009 hab. e área 271,030 km.

Este projeto contou com o apoio da Fundação Agência das Bacias PCJ, ABES- Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, CERSA Centro de Referência em Segurança da Água, Fundação Nacional da Saúde – Funasa do Ministério da Saúde e do Laboratório de Mutagênese Ambiental do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro.

Este projeto inédito no país, multiprofissional e interinstitucional, foi idealizado com o intuito de apoiar os municípios das Bacias PCJ na elaboração de seus Planos de Segurança da Água, tendo sido divulgado por meio de publicação que encontra-se no link: https://agencia.baciaspcj.org.br/wp-content/uploads/2020/11/guia-pmsa.pdf,


3 Desafios


Como citado anteriormente, o Plano de Segurança da Água ainda não foi considerado uma importante ferramenta de gerenciamento dos sistemas de abastecimento coletivo de água – seja público ou privado.

Em 2007 o professor José Manuel Pereira Vieira, da Universidade do Minho em Portugal promoveu um curso sobre Plano de Segurança da Água na Universidade de São Paulo, com o objetivo de capacitar técnicos dos Serviços de Abastecimento de Água e do setor Saúde da área de Vigilância Ambiental. A partir de então este tema tem ganhado espaço em Congressos, Workshops e Seminários, com publicações específicas sendo editadas.

Entretanto, ainda é incipiente a utilização do Plano de Segurança da Água de forma sistemática pelos serviços públicos de abastecimento de água para consumo humano.

Apontamos a seguir alguns motivos que dificultam a implantação do Plano de Segurança da Água em nosso país de forma ampla:

1 – Qualificação profissional – em sua maioria as grandes empresas de saneamento possuem em seu quadro, profissionais com gabarito técnico para adotar o Plano de Segurança da Água como uma importante ferramenta de gestão. Infelizmente não e o que ocorre em diversas partes do país.

2 – Falta de incentivo institucional – sente-se falta de um amplo movimento dos órgãos governamentais no nível federal e estadual, bem como de associações representantes do setor Saneamento, em promover eventos e capacitação para gestores e técnicos que atuam em serviços de abastecimento coletivo de água.

3 – Resistência à adoção de metodologias inovadoras – o setor Saneamento ainda é considerado muito conservador no que se refere à adoção de metodologias e tecnologias inovadoras. Mudança de paradigmas exige mentes abertas e disponibilidade de sair da zona de conforto em que muitos serviços de abastecimento se encontram.

4 – Não existir a cultura de gestão de risco à saúde e segurança da água para consumo humano nos Serviços de abastecimento de água, estejam sob gestão pública ou privada.



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